Ruth Cardoso (1930 – 2008)

  • Volume 2
  • Século: XX
  • Estado: SP
  • Etnia: Branca
  • Atividade: Socióloga

Descrição:

Embora tenha ocupado durante oito anos o cargo de “Primeira Dama” do país, a trajetória de vida de Ruth Villaça Corrêa Leite, mais tarde conhecida como Ruth Cardoso, destaca-se pela produção intelectual na área de gênero, pluralidade cultural e diversidade sexual, por sua inserção no movimento de mulheres e pela preocupação com o não-assistencialismo, característica que imprimiu ao programa Comunidade Solidária, por ela criado e coordenado no período 1995/2002, articulando uma eficaz parceria entre governos, empresários, universidades e sociedade civil.

O reconhecimento internacional ao programa, que alfabetizou cerca de três milhões de jovens e capacitou outros 114 mil para o trabalho, além de haver estimulado a organização de mulheres artesãs, na área de cooperativas de produção, ocorreu em 2000, quando Ruth Cardoso recebeu a medalha Eleanor-Roosevelt Val-Kill, oferecida pelo governo americano a personalidades que se destacam em trabalhos nas áreas sociais. Dois anos antes (1998), contudo, Ruth Cardoso já havia recebido uma comenda das Nações Unidas por sua atuação na área social.

Paulista de Araraquara (SP), cidade conhecida como morada do sol e com a qual manteve forte laço afetivo por toda a vida, Ruth, filha de dona Mariquita- como era carinhosamente conhecida sua mãe, Maria Villaça -, professora de química e biologia e, de José Corrêa Leite, contador, iniciou a trajetória acadêmica – que a faria respeitada internacionalmente anos mais tarde, – no Grupo Escolar Antônio José de Carvalho, concluindo o curso ginasial aos 15 anos, no Araraquara College.

Em um contexto social no qual era pouco comum que meninas, sobretudo filhas únicas – e esse era o caso de Ruth-, saíssem das amarras da família, partiu para a capital, São Paulo, estimulada pelos pais, com o objetivo de prosseguir os estudos. Junto com a saudade levou na bagagem, a poesia de Verlaine e Antero de Quental acompanhadas de obras do velho Karl Marx e do casal Simone de Beauvoir e Sartre. Aliás, o mesmo casal que anos mais tarde- começo dos anos 60- receberia em sua casa de São Paulo e ao qual serviria uma brasileiríssima sopa de mandioquinha.

O casamento com Fernando Henrique Cardoso (1953), ocorreu um ano depois de formada (1952) pela faculdade de filosofia da Universidade de São Paulo-USP. Foi também na USP que conheceu o futuro marido, então aluno do curso de Ciências Sociais. Juntos, tiveram três filhos e mais tarde cinco netos/as.

Enfrentou com coragem e determinação o período da ditadura militar e o exílio político do marido, que a levou ao Chile, onde atuou como professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais- Flacso/Unesco junto a alunos/as de diferentes países. De lá seguiram para a França e no retorno ao Brasil fundaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), marco da pesquisa social no país.

Doutora em antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, desenvolveu atividades de docência e pesquisa na USP, bem como, em diversas instituições de ensino estrangeiras, como Universidade do Chile (Santiago do Chile), Maison des Sciences de L´Homme (Paris), Universidade de Berkeley (Califórnia) e Universidade de Columbia (Nova Iorque).

No currículo que construiu como resultado do envolvimento com a causa feminina consta sua participação na luta pela democracia e direitos das mulheres, tendo sido uma das fundadoras da Frente de Mulheres Feministas de São Paulo, em 1978, ao lado de Eva Blay, Maria Carneiro da Cunha, Carmen Barroso, Elza Berquó, Heleieth Saffioti, Fúlvia Rosemberg, Leilah Assunção, Marta Suplicy, Silvia Pimentel e muitas outras.

Participou também do grupo que elaborou a proposta de criação do primeiro mecanismo de políticas para as mulheres na estrutura do estado, durante o governo Montoro, em 1983, que resultou na criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo.

Estimulada pela militante feminista, atriz e ex-deputada Ruth Escobar integrou o grupo de fundadoras do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, órgão do Ministério da Justiça. Em seu mandato, no período 1986/1988, dentre outras ações, foi autora de um parecer bem sucedido, que aconselhou ao então presidente Sarney, o veto a um projeto de lei que criaria o Conselho Nacional de Política Populacional e que, temia-se, poderia converter-se em instrumento oficial de controle da natalidade. Ruth esteve a frente ainda, da criação do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero, na USP.

Sua personalidade e comprometimento a fizeram respeitada, inclusive, por adversários políticos do marido, que a ela creditavam inovação na implantação de políticas sociais no país. Ruth Cardoso, que relutou constantemente em aceitar a denominação de primeira dama, jamais foi uma simples sombra do presidente. Pelo contrário, possuía luz e iniciativas próprias e, em várias ocasiões foi reconhecida publicamente, pelo marido, Fernando Henrique Cardoso, como sua principal conselheira.