Maninha Xucuru (século XX)

  • Volume 2
  • Século: XX
  • Estado: AL
  • Etnia: Indígena
  • Atividade: Líder Indígena

Descrição:

Etelvina Santana da Silva, Maninha Xucuru, membro do Comitê Inter-Tribal de Mulheres Indígenas em Alagoas(AL)

Primeira mulher a fazer parte da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo(Apoinme)

Em 1966, na aldeia Xucuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, interior do estado de Alagoas(AL), nascia Etelvina Santana da Silva, mais tarde conhecida como Maninha Xucuru. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), os Xucuru-Kariri fazem parte de duas distintas etnias. A dos Xucuru em Alagoas e Pernambuco e os Kariri e Kariri-Xocó, de Alagoas.
A afirmativa de haver nascido em uma família de guerreiros- que tempos depois Maninha fazia questão de destacar-, deve-se principalmente as ações do avô, o cacique Alfredo Celestino, que com outras lideranças viajava dias a pé para cobrar das autoridades a devolução das terras que, pertencentes aos antepassados, haviam sido tomadas por fazendeiros e latifundiários ao longo dos anos. Na década de 1950, cansados de promessas nunca concretizadas, a família de Maninha liderou a primeira retomada de terra, na fazenda do Canto.
Foi nessa aldeia reconquistada, que Maninha tomou a difícil decisão, ainda menina, de tornar-se médica para cuidar de seu povo. Difícil, pois era preciso andar todos os dias, sob sol e chuva, cerca de sete quilômetros até a escola. Em 1978, aos 12 anos, comemorou com seu povo a conquista de mais um pedaço de terra, a Aldeia Mata da Cafuia, para onde se mudou com a família.
Ao final do Ensino Médio transferiu-se para Recife (PE), onde uma bolsa conseguida junto à FUNAI lhe permitira tornar-se aluna de um curso preparatório para a Faculdade. A alegria, porém não durou muito. Cinco meses depois foi "convidada" a deixar o curso. O órgão do governo responsável pelos indígenas só havia pago duas mensalidades!
Fora do curso, um emprego de balconista, que lhe dava um minguado salário, foi a tentativa de Maninha para sobreviver na cidade grande. Sobre a época, lembrava constantemente da distância da realização de seus planos de vida e da dificuldade de adaptação: "(…) Não conseguia mais ser uma Xukuru-Kariri e nem tampouco uma pessoa urbana", dizia. Situação ainda hoje comum a muitos dos/as indígenas brasileiros/as, que desde o início do processo de colonização do país vêm sendo expulsos de suas terras e privados de suas culturas.
O ano de 1989 foi um divisor de águas na vida de Maninha. Ao participar de um ato público promovido por lideranças indígenas, de diferentes etnias, que denunciavam as dificuldades encontradas por seus povos ao buscarem atendimento em hospitais públicos do Recife, despertou para a responsabilidade que, anos atrás, ainda criança, assumira consigo mesma.
Como consequência, decidira vencer na vida, mas vencer no local onde nascera, e assim retornou à aldeia. Se deparou com um povo dividido, brigando entre si por um pequeno pedaço de terra. O aumento das famílias tornara inviável a tradição da agricultura, forte marca cultural dos Xucuru-Kariri. Maninha arregaçou as mangas e agiu como apaziguadora, buscando e estimulando um consenso que permitisse o enfrentamento coletivo da questão junto às autoridades.
Em 1994, coordenou mais uma retomada de terra. Carros de som, financiados por fazendeiros que se julgavam prejudicados, circulavam pela cidade anunciando que os indígenas iriam invadir as casa dos/as moradores, incitando-os contra os Xucuru-Kariri. O enfrentamento causou a morte de um cacique e o desaparecimento de um índio. Contudo, puderam experimentar alguns avanços, como a construção de postos de saúde nas aldeias – que até hoje funcionam precariamente-, e escolas, uma delas voltada para a educação indígena.
Na década de 1990, Maninha participou de diversos encontros sobre a causa indígena em vários estados do país e, quatro anos depois, em 1994, integrou o grupo de fundação da Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o qual coordenou por 16 anos. Tendo sido a primeira mulher a participar desse universo, composto majoritariamente por homens, enfrentou preconceitos e lutou para se impor e fazer valer suas idéias. A maior dificuldade desse período, contudo, lembrava constantemente eram as constantes ameaças de morte por parte de latifundiários contrariados.

Maninha esteve também responsável pela seção Alagoas/Sergipe da Coordenação de Apoio às Organizações Indígenas do Brasil ( Capoib) e várias foram as lutas pela retomada de terras das quais participou ativamente.
Junto a um grupo formado por 21 mulheres Xucuru-Kariri, em 1997 participou da constituição do Comitê Iter-Tribal de Mulheres Indígenas de Alagoas (Coimi). Oficializado em 2000, o Comitê que tem por objetivo fomentar a organização e o associativismo feminino na luta pela saúde, educação, auto-sustentabilidade e contra a violência de gênero, envolve e articula mulheres indígenas da região nordeste.
Por sua trajetória e atuação em busca da justiça e da paz, foi indicada em 2000, para o Projeto "1000 mulheres para o prêmio Nobel da Paz". O projeto tinha o objetivo de premiar mil mulheres do mundo todo que, por meio de suas experiências, contribuíram no estudo dos conflitos e na criação de políticas pela paz.
Em 11 de outubro de 2006, aquela que conquistou o respeito de indígenas de diferentes etnias e brancos faleceu, sendo enterrada no antigo cemitério indígena de Igreja Velha, no interior das terras pelas quais tanto lutara com seu povo. Quis o destino, que o sepultamento fosse na mesma data em que se completavam duas décadas de vitória pela reconquista do solo. Seu povo recebeu mensagens de várias nações indígenas do país e seu tio, o cacique da aldeia Xucuru-Kariri, destacou que a atuação da sobrinha deve ser lembrada desde a aprovação da Constituição, em 1988.
Além das muitas homenagens que recebeu em vida, destaca-se aquela in memoriam, em 2007, através do prêmio Renildo José dos Santos, destinado aos que tenham se dedicado à defesa dos direitos humanos. Maninha foi agraciada na categoria de defesa da identidade cultural.
A luta de Maninha, que se tornou exemplo para mulheres indígenas, negras e brancas, não foi em vão. Deixou frutos e continuará estimulando a organizações de mulheres país afora.