Lair Guerra de Macedo (século XX)

  • Volume 2
  • Século: XX
  • Estado: PI
  • Etnia: Branca
  • Atividade: Médica idealizadora e responsável pelo Programa Nacional de Combate a AIDS.

Descrição:

Por Fernanda Pompeu

Aids – síndrome da imunodeficiência adquirida – chegou matando muita gente e assustando todo o planeta. Ninguém sabia direito do que se tratava. Até que descobriram o vírus causador da epidemia: o HIV, transmitido pelo sangue e pelos fluidos sexuais. Nos anos 1980, o número de brasileiros infectados crescia em ritmo acelerado. Pelas contas do Banco Mundial, se nada fosse feito, o Brasil chegaria ao ano 2000 com mais de um milhão de pessoas portando o vírus.
Para parar a sangria de vidas eram necessárias respostas rápidas por parte do Estado. Depois de muito hesitar, em 1986, o Ministério da Saúde esboçou um nacional de combate à aids. Convidou para dirigi-lo uma doutora em Microbiologia e Infectologia. Lair Guerra de Macedo não só aceitou o enorme desafio, como entregou-se inteiramente a tarefa. O Ministério da Saúde deixou a sua disposição: uma salinha, um telefone e uma secretária.
Foi começar quase do zero. Faltava recursos materiais e humanos para fazer o programa andar. Lair Guerra não fraquejou. Pegou aviões, carros, barcos para ajudar a formar o pessoal da Saúde. Correu atrás de dinheiro no Brasil e no exterior. Como a epidemia era recente, as pessoas tinham dúvidas quanto às formas de transmissão do vírus e não acreditavam que a aids fosse uma ameaça para todos.
A diretora do programa teve de aliar conhecimento científico com estratégias políticas de comunicação. Surgiram as campanhas nacionais, de rádio, televisão, mídia impressa. As palavras aids, HIV, transmissão, preservativo, solidariedade, correram céleres pelas veias do país.
O cerne do trabalho de Lair e de sua equipe compreendia duas frentes simultâneas. Por um lado, informações e meios que ajudassem a prevenir o HIV. Pó outro lado, as buscas de solidariedade e de qualidade de vida para as pessoas infectadas. Tarefa nada simples, pois tinham de demover o preconceito, a falta de dinheiro e a burocracia da máquina estatal.
Os ponteiros do relógio eram mais lentos que a velocidade de propagação do vírus. Para não perder tempo, Lair Guerra suspendeu o hábito de almoçar, cercou-se de sanduíches e de sucos. Com empenho de horas, dias, meses conseguiu que o Ministério da Saúde fiscalizasse os Bancos de Sangue espalhados pelo país para evitar contaminação.
Verdade que ela não estava sozinha. Lair ouvia atentamente o que tinham a dizer as organizações não governamentais ligadas ao trabalho com o HIV/aids. “As ONGS foram fundamentais para a construção de políticas públicas de enfrentamento da doença e de proteção dos portadores.” A cientista nunca professou a “ciência pura”, desligada das questões humanas e sociais. “A ciência existe para favorecer o bem-estar das pessoas.”
Em 1990, com a chegada de Fernando Collor de Mello ao Planalto, Lair e o Programa Nacional de DST/AIDS sofreram um baque. Ela foi sumariamente destituída. “Saí em prantos, pois tinha certeza de que não havia concluído meu trabalho.” Dois anos depois, com as malas prontas para ensinar nos Estados Unidos, foi chamada de volta.
Agora a luta era para universalizar os medicamentos anti-retrovirais, o popular “coquetel” contra a aids. Mais uma vez, ao lado das ONGS e apoiada pela constituição – que diz ser “a saúde direito do cidadão e dever do Estado” – , Lair Guerra conseguiu que todos os que precisassem tivessem acesso gratuito aos medicamentos. O Programa, dirigido por ela, cresceu e tornou-se referência para os países pobres.
Não obstante o sucesso, ela sabia que não estavam nem na metade do caminho. Havia de formar cada vez mais profissionais de qualidade na luta contra o vírus. Havia de educar cidadãos para a solidariedade com as pessoas vivendo com HIV/aids. Em agosto de 1996, ela foi para mais uma viagem. Dessa vez, tratava-se de uma palestra no XIX Congresso Brasileiro de Infectologia, em Recife.
Foi então que o destino aprontou feio. Ao deixar o Congresso, a caminho do hotel, um ônibus avançou o semáforo e bateu de cheio no carro que a transportava. Lair Guerra, nascida em 1943, mãe de cinco filos, sofreu traumatismo craniano e passou dois meses em coma.
Nos dias atuais, o Programa Nacional DST/AIDS, arquitetado por Lair Guerra, é modelo na luta contra a doença e o preconceito. Ele coleciona elogios em todo o mundo. Em 2005, segundo números oficiais, foram 346 mil casos notificados de aids. Desse universo, todos os que necessitam tem acesso gratuito ao tratamento e à Lei de Proteção.
O estúpido desastre tirou Lair Guerra do que ela mais amava: o trabalho contra uma doença gravíssima. Hoje, ao lado do marido Florêncio, ela vive seus dias empenhada em outra luta: tenta superar as graves seqüelas do acidente. Ela tem comprometidas a locomoção, a fala e trechos da memória.
Mas não desiste. Quer escrever um livro sobre os “anos heróicos” de construção e implementação do grande programa contra a aids. O livro de Lair Guerra de Macedo pode demorar um pouco, mas, se depender de sua determinação, ainda o leremos.

Texto publicado no livro: CHARF, Clara (coord.). Brasileiras guerreiras da paz: projeto 1.000 mulheres. São Paulo: Contexto, 2006