Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa (1908 – )

  • Volume 2
  • Século: XX
  • Estado: PR
  • Etnia: Branca
  • Atividade: Funcionária consular

Descrição:

Nasceu no Paraná em 1908. Filha de pai brasileiro e mãe alemã.
Casou-se muito jovem, no Brasil no início dos anos trinta, com Johan Von Tess (também descendente de alemão). Desquitando-se poucos anos depois e, para fugir um pouco do preconceito com que era tratada uma mulher separada no Brasil daquela época, mudou-se para Alemanha, indo morar na casa de sua tia; levou consigo o filho Eduardo Tess. Por falar fluentemente o alemão, inglês e francês, conseguiu nomeação para o Consulado Brasileiro em Hamburgo, Alemanha. Entre suas atribuições era encarregada da seção de vistos.
Aracy foi a segunda mulher do escritor João Guimarães Rosa. Conheceram-se no final da década de 1930, no Consulado Brasileiro onde trabalhava, quando Guimarães Rosa chegou para assumir o cargo de cônsul adjunto. Conheceram-se e apaixonaram-se. No final da década de 1930 casam-se por procuração no México. A lei brasileira ainda não permitia o casamento de dois desquitados.
Para além de ter sido a companheira de um dos mais conceituados escritores brasileiros, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa teve trajetória, conquistas e méritos próprios para ser reconhecida e homenageada.
Como numa narrativa ficcional, seu passado, sua história é repleta de aventuras, perigos e romance. Única mulher a ter seu nome escrito no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Israel. Esta honra é concedida pelo governo Israelense a pessoas que colocara suas vidas e por que não dizer, também a de seus familiares, em perigo, para ajudar judeus. O governo de Israel passou a partir da década de 1960 a homenagear pessoas que ajudaram a salvar os judeus diante do anti-semitismo; e em reconhecimento é plantada uma árvore in Memoriam, o que dá origem ao nome do lugar, também chamado de Alameda dos Justos. O/a escolhido/a recebe também uma medalha, feita especialmente para ele/a, um certificado de honra e seu nome cravado na Parede de Honra no Jardim dos Justos em Yad Vashem. A cerimônia é realizada em Israel, ou no país de residência do/a homenagiado/a com a participação dos representantes diplomáticos.
Sendo o único nome de uma funcionária consular e não de embaixador ou cônsul, Aracy recebeu esta grande honra no ano de 1982, em reconhecimento por ter concedido centenas de vistos aos judeus, salvando-os da morte, apesar da proibição brasileira em relação a imigração deles no ano de 1937. Aracy tinha total entendimento e plena consciência dos riscos que corria, sobretudo porque não gozava das imunidades consulares, garantidas aos diplomatas; o que torna sua iniciativa ainda mais temerária.
Neste período, no Brasil, o presidente Getúlio Vargas investido de plenos poderes declara, em 1937, o Estado Novo. De caráter centralizador e autoritário, suprimiu a liberdade partidária e a independência entre os três poderes. Os governadores passaram a ser nomeados pelo presidente da república e os prefeitos pelos governadores; criou o Departamento de Imprensa e Propaganda, um órgão de controle da mídia. É também neste período que Vargas projeta-se como o “pai dos pobres” e o “salvador da pátria”.
Recebia o apoio de boa parte da classe média, tendo em vista ter saído vitorioso, após embate contra o movimento conhecido por Aliancismo – corrente que defendia a revolução comunista no Brasil. Seus membros mais conhecidos eram Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes.
Vargas, perito em estratégia política, apresenta o documento, até hoje não se sabe se forjado ou não, intitulado “Plano Cahen”, em que afirmava que os socialistas planejavam uma revolução no Brasil, com o apoio do Partido Comunista da União Soviética.
Seu governo via com crescente hostilidade a presença da comunidade de judaica que começou a se instalar no Brasil no início do século XX. É, entretanto no Estado Novo que Vargas intensifica sua política anti-semita e assina uma Circular secreta, número 1.127, de 7 de junho de 1937, restringindo a entrada de judeus no Brasil. Outro fato atemorizante foi quando ele deporta para a Alemanha, em 1936, a militante comunista judaico-alemã, Olga Benário, mulher de Luis Carlos Prestes, que estava grávida, apesar dos protestos no Brasil.
Enquanto isto na Alemanha o governo Hitler implementava uma política de eliminação de alguns grupos sociais, conhecidos na época como os “indesejados”. Dentre eles os negros, ciganos, homossexuais e judeus. Milhares foram perseguidos e exterminados no que se conhece hoje por Holocausto.
É neste contexto histórico que Aracy corajosamente intervém em favor dos judeus e ousa colocar sua vida em risco e desobedecer à célebre Circular brasileira, que proibia a emissão de vistos para judeus. Com muita coragem e engenhosidade desafiou o arbítrio do Estado Novo e o nazismo.
Qual era sua estratégia? Como costumeiramente despachava com o Cônsul Geral ela misturava, entre os documentos para assinatura, os que concediam vistos para os judeus. O cônsul automaticamente assinava a “pilha de papéis” sem, contudo perceber que entre eles estavam os considerados “explosivos”, ou seja, aqueles que possibilitavam a vinda de judeus para o Brasil. Assim, no final da década de 1930, em Hamburgo, como funcionária do consulado brasileiro, a revelia da lei, ajudou judeus a entrar ilegalmente no Brasil, durante o Estado Novo de Vargas.
Não media esforços, desconsiderando o perigo que o nazismo representava. Dentre suas façanhas, também usou seu passaporte diplomático para conduzir pessoalmente diversos judeus até o navio, assegurando-lhes o embarque.
Em 1942, após navios brasileiros serem afundados por submarinos alemães, o Brasil declara guerra à Alemanha. Aracy e Guimarães Rosa voltaram para o Rio de Janeiro em decorrência dos acontecimentos. Enviuvou em 1967 e não se casou de novo.
Salvou judeus na Alemanha nazista, enfrentou as leis anti-semitas do Estado Novo e na década de 1960, morando na cidade do Rio de Janeiro, escondeu perseguidos políticos durante a ditadura militar.
Extremamente discreta, somente recentemente sua história veio à tona, muito por conta do empenho de alguns protegidos do passado. A história brasileira não contempla esta mulher, conhecida pela comunidade judaica por “Anjo de Hamburgo”.
Aracy Guimarães Rosa, funcionária consular que não gozava de todas as garantias diplomáticas, pode ser considerada protagonista de uma grande aventura entrecortada de perigos, coragem e recheada de muito amor e dignidade. A trajetória de vida de Dona Aracy, ou como seu companheiro Guimarães Rosa a chamava, Ara, revive personagens e imagens que fazem desta mulher um vulto histórico exemplar, digno de ser incluído urgentemente nos livros de história do Brasil.
Encontramos em um exemplar do livro Grande Sertão: Veredas – um dos grandes fenômenos da literatura brasileira – uma dedicatória do autor, João Guimarães Rosa: “A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro”.